UM GRAPIÚNA EM FRANKFURT
*Cyro de Mattos
Para
quem não sabe, grapiúna é palavra de origem indígena. Usada pelos
índios do Sul da Bahia, no início da conquista da terra, significava
pequena ave preta que vive às margens do rio. Os meninos de minha
cidade chamavam essa ave de “viuvinha” porque tinha o pequeno corpo
coberto de penas pretas. Mas há quem ache que grapiúna tem sua origem na
expressão “igarapé-una”, que quer dizer riacho preto. Este pequeno
curso d’água era muito encontrado antigamente nas fazendas de cacau e
nas matas do Sul da Bahia.
Perdendo a vogal inicial, grapiúna passou a significar os que vieram
para o Sul da Bahia no período do desbravamento e povoamento. Grapiúna
assim diz respeito a uma civilização forjada por homens simples. Com o
machado e o facão na bainha foram derrubando as matas, penetrando a
selva hostil, fundando vilas e pequenas cidades. Com o passar dos anos
estabeleceram uma civilização com sua forma singular de vida,
proveniente da implantação da lavoura do cacau por léguas e léguas de
terras férteis.
Eu nasci neste chão grapiúna, cresci respirando o cheiro do cacau,
correndo com os outros meninos nas manhãs e tardes desse mundo, que
trago dentro de mim e amo.
Meu livro Vinte poemas do rio e outros poemas foi traduzido
para o alemão por Curt Meyer-Clason. A editora Projekte-Verlag, de
Halle, reservou-me espaço para em seu stand participar de uma tarde de
autógrafos na Feira do Livro de Frankfurt. O país que seria homenageado
na Feira do Livro de Frankfurt em 2010 era a Argentina. Confiando em
meu inglês que dava para o gasto corriqueiro, permitindo que eu não
passasse fome, tomei ânimo e fui participar da Feira do Livro de
Frankfurt, considerada como o maior encontro mundial no setor editorial.
A companhia aérea em que viajei era portuguesa. Isso fez que eu me
sentisse em casa, durante o voo, do Rio de Janeiro até Frankfurt. A
maioria dos passageiros era constituída de brasileiros e portugueses.
Descobri que o homem da cadeira ao meu lado tinha nascido e vivia em
Frankfurt. Veio ao Brasil em viagem de turismo. No início tentei me
comunicar com ele em inglês, mas só foi possível mesmo em português e
com dificuldade. Ele não falava inglês, mas aprendera a dizer algumas
frases em português durante os dias que passou no Brasil.
Quando desembarquei em Frankfurt, logo fiquei assustado com o tamanho
do aeroporto e o grande movimento de pessoas, vindas de muitos países
deste planeta. Tudo ali era grande e incalculável. O Terminal 1 e o
Terminal 2. A quantidade de vagas para automóveis em cada terminal. O
número de passageiros com seus destinos, rumo aos seus países. A
quantidade de funcionários das companhias e do próprio aeroporto. O
volume da carga. Grandes aviões decolando e aterrissando, a todo
instante. Jumbos, Boeings 747, Airbus A380.
Sabia que Frankfurt tinha o terceiro aeroporto da Europa e o nono do
mundo. Não podia imaginar que fosse tão imenso e nele uma babel sem
limites ressoasse como uma colmeia humana absurda. Segui atento,
acompanhando os passageiros que vieram do Brasil no voo que eu também
estava. Eles andavam ligeiros, aos grupos, eu no meio deles. Pressentia
que se dirigiam para os guichês onde receberiam o visto de desembarque
no passaporte. E depois iriam para as esteiras rolantes onde tirariam
suas bagagens.
Depois que saí da escada rolante, procurei ver onde ficavam as
esteiras rolantes com as bagagens dos passageiros no pavimento
inferior. Com tantas esteiras que não paravam de rolar com as bagagens,
senti que ia passar por um vexame: sem saber em qual delas viria a
minha. Os minutos iam passando, as bagagens rodando nas esteiras como
num carrossel. A certa altura comecei a temer em não achar a minha.
Teria sido extraviada? Aliviei-me da tensão que aquela situação nada
agradável causava-me quando avistei o homem alemão, que viajou na
poltrona ao meu lado. Fui até ele. Falando devagar, procurei fazer que
se inteirasse de minha situação naquele instante nada tranqulizador.
Depois de insistir falando para que ele entendesse o que eu estava
querendo, finalmente compreendeu. Mostrou-me a esteira rolante na qual
eu encontraria minha bagagem.
O presidente do Centro Cultural Brasileiro, Carlos
Frederico Graf, um homem alto e forte, brasileiro de pais alemães, que
residiram no Brasil durante muito tempo, esperava-me lá fora, no
setor de desembarque. Sustentava um cartaz com o meu nome. Ele ia me
levar até o hotel onde eu ficaria hospedado. Perguntou-me por que
demorei tanto, pensava que eu tivesse perdido o voo.
- Já estava para ir embora – disse.
Pedi a ele desculpas pelo transtorno que havia causado, fazendo com
que esperasse tanto tempo por mim, um grapiúna que não tinha costume
de viajar para o estrangeiro, principalmente desembarcar em um aeroporto
tão enorme, com uma população flutuante maior do que a fixa de muitas
cidades no interior baiano. Logo ele quis saber o que significava
grapiúna.
Depois que lhe expliquei o que significava a palavra grapiúna, no
carro que ele mesmo dirigia, adiantou que eu ia ficar hospedado no
Lloyed Hotel, cuja proprietária era a brasileira Antonia Dimitruka,
casada com um iraniano. “Fica localizado na Heidelberger Strass 3, nas
proximidades do rio Meno”, ele disse. Durante a viagem até chegar ao
hotel, ficamos conversando sobre fatos de corrupção político que tinham
abalado recentemente os brasileiros.
*Cyro de Mattos é escritor e poeta premiado no Brasil e no exterior.