Sônia Carvalho de Almeida Maron*
Meditar, refletir, avaliar,
ou qualquer outra expressão que signifique pausa, trégua, deve ser a palavra de
ordem para os brasileiros azuis ou vermelhos. O País que tem “palmeiras onde
canta o sabiá” é único no mundo. A milagrosa miscigenação que reuniu tantas
etnias como irmãs não pode fugir à sua destinação de um povo avesso a conflitos
e lutas fratricidas. O exemplo maldito dos países que convivem com o terrorismo
da Isis e Al Quaeda deve continuar ignorado pelas crianças mulatas de olhos
verdes, brancas de cabelos crespos, brancas de cabelos louros, pretos ou
castanhos, lisos ou cacheados. O negro do luto e o vermelho do sangue não são
cores usadas em nossa aquarela. A guerrilha e o terrorismo são lembranças
dolorosas de um passado sepultado e a democracia brasileira foi gestada em
vinte anos, fortalecida com as crises e amadurecida graças ao bom senso e
equilíbrio de um povo que tem uma trajetória a cumprir de paz, fraternidade e liberdade.
O País foi induzido a
transformar uma eleição em guerra e na última batalha saiu dividido. Não se trata do resultado da eleição
especificamente: é uma crise de credibilidade. Ninguém confia em ninguém. A
incerteza que atormenta o País espalhou-se como uma epidemia, envolvendo
poderes constituídos, instituições, governo e oposição. Na opinião manifestada
por Pedro Simon, na reunião para comemoração da vitória do seu candidato ao
governo do Rio Grande do Sul, “o Brasil perdeu a disposição de acreditar.”
É compreensível que a
sucessão de escândalos, operações policiais e impunidade, uma sequência de
atentados à lei, à ética, à moral, à privacidade, ao patrimônio público e
privado, à integridade física e à vida, conduza o cidadão ao desespero ou à
descrença no presente e no futuro do País.
O que mais assusta é a
naturalidade com que os tipos penais são avaliados e os julgamentos definitivos
ridicularizados. Dizendo melhor, o que assusta é a banalização do crime. Os
aplicadores da lei são expostos e criticados por não reconhecerem que, sendo a
lei igual para todos, a leniência deve
seguir o mesmo caminho se a competência do órgão julgador foi definida por
prerrogativa de função. Exemplificando de forma singela: o ladrão de galinhas é julgado pelo juiz da cidade; o crime do
prefeito é julgado pelo tribunal do Estado; crimes de presidentes e sua corte
pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, no código dos políticos, quanto mais
elevado o cargo, menor a pena, maior a leniência. Nesse passo, é melhor trocar
o Código Penal e a Lei de Execuções Penais pelo Auto da Compadecida.
A violência, um dos dramas
atuais da população brasileira, contribui para aumentar a angústia e a crise de
credibilidade. Não se trata de dar asas à imaginação ou fantasiar. São
processos e mais processos, CPIs para todos os gostos e esferas de poder; não
há nada surpreendente para acontecer, como não há mais ninguém em
quem confiar. Ganhamos o campeonato de escândalos nos poderes públicos nos
últimos anos, fato tão evidente como os sete gols da Alemanha na Copa do Mundo.
O cidadão que trabalha, paga impostos, administra empresas, produz
riqueza e mantém o PIB não é o algoz do seu conterrâneo catador de lixo, gari,
índio, quilombola ou nordestino vitimado pela estiagem. Ao contrário.
Trabalhando e produzindo mantém as bolsas e assegura as casas da vida.
Recomenda-se a releitura cuidadosa de Luiz Gonzaga, em “Vozes da Seca”,
cinquenta anos atrás. Ele, o Gonzagão, amava o Nordeste.
Nisso tudo, onde fica o
cidadão brasileiro? Resta-lhe a comparação. Nixon amargou um impeachment em razão de uma “inocente” escuta; Clinton, coitado, não
sabia o que fazer para explicar a relação com a secretária. Aqui, no País do
Carnaval e do samba, nada é censurável, tudo é normal. O resto é intriga da
oposição ou calúnia veiculada pela imprensa: a imprensa azul calunia a vermelha
e a vermelha calunia a azul. E tudo termina em muito riso e alegria. Afinal, em
fevereiro tem Carnaval. Ocorre que não sou Flamengo e nem tenho uma nêga
chamada Tereza. Mas sou brasileira, sou vascaína, caminhando contra o vento e
remando contra a maré. A camisa que eu visto tem quatro cores: verde, amarelo, azul e
branco.