Sônia Carvalho de Almeida Maron*
“Na longa e praticamente contínua batalha pela liberdade, contudo, as classes que lutavam contra a opressão em determinada fase, uma vez obtida a vitória, enfileiravam-se ao lado dos inimigos da liberdade para defender novos privilégios.” FROMM, Erich , O medo à liberdade, p. 13.
Os regimes autoritários precisam de um inimigo para sobreviver. Sempre escolhem um bode expiatório que possibilite assumirem a posição de vítimas. É um fenômeno analisado pelos estudiosos de psicologia social e a facção política que governa o Brasil não foge à regra. Repetem os argumentos rotos e desbotados, buscando apoio em critérios extravagantes de legalidade e/ou legitimidade que existem apenas em suas mentes conturbadas pelo desejo de perpetuação no poder. Dizendo-se “injustiçados” e perseguidos pelos “golpistas” pretendem a aprovação do estamento social que iludiu e manipulou criminosamente.
Se o momento vivido pelos brasileiros não
fosse o pior experimentado na vida sociopolítica do país, seria hilária a
afirmação da existência de um “golpe” semelhante à ditadura militar iniciada em
31 de março de 1964 e vencida pelo movimento social das “Diretas Já” vinte anos
depois. A verdade histórica não escapa à compreensão das pessoas normais, ainda
que sejam iletradas. Ninguém ignora que em 1964 as instituições não
funcionavam, o Congresso foi impedido de exercer seu papel, o Poder Judiciário
foi amordaçado e a imprensa severamente censurada. A força substituiu a razão.
O diálogo tão necessário à democracia não existia. O devido processo legal e a
ampla defesa eram sonhos de juristas suicidas.
Recomenda-se
aos fanáticos, aos inocentes úteis e aos
beneficiados com o caos do desgoverno a releitura do AI 5 ( Ato Institucional nº 5), de fácil
consulta no GOOGLE para aqueles que
não possuem códigos. Poderão entender o que é um golpe
institucional, com o massacre total aos direitos e princípios democráticos e
imposição de normas draconianas que impediam de pensar, ler, escrever, sorrir e cantar se tais atividades não
estivessem de acordo com o desejo dos poderosos de plantão.
A readaptação à liberdade democrática foi
um processo lento que caminhou para o amadurecimento
definitivo anunciado na Constituição de 1988, aprovada por representantes do
povo que foram selecionados em eleição direta e livre para composição da
Assembléia Constituinte. Nossa democracia sofreu duros embates e provou sua
força quando ensaiava os primeiros passos com a morte de Tancredo Neves e
aceitação de Sarney, o vice que não tomou posse. A decisão contrariou a norma,
é verdade, mas pacificou o país e facilitou a retomada da liberdade. Nossa
Carta Magna foi novamente posta à prova com a infeliz escolha de Fernando
Collor de Melo. Resistiu bravamente com um impeachment
“cirúrgico”. Tornou-se adulta e imbatível para comandar as manifestações de
2013.
Enganam-se aqueles que interpretaram as
manifestações de 2013 como algo abstrato, sem foco e sem liderança. O desejo
dos manifestantes que se vestiam de verde e amarelo, cores predominantes em
nossa bandeira, era e continua sendo encontrar brasileiros normais, com vocação
para a atividade política e aptos a governar a coisa pública com honestidade e atentos ao bem comum. E não se
diga, como argumento de defesa dos indefensáveis, que a corrupção é endêmica no
Brasil, transferindo a responsabilidade da nossa desgraça a D. João VI e sua
Corte que teriam implantado a prática criminosa ao fugir de Napoleão Bonaparte
e esconder-se na colônia portuguesa, conhecida depois como “país de Macunaima”.
Se é crônica a corrupção, entrou no paroxismo de uma crise aguda que exige
tratamento enérgico e urgentíssimo. É o remédio prescrito em qualquer país
democrático para impedir a continuidade de uma administração desastrada e
irresponsável. O impedimento é admitido na
Constituição, regulamentado na lei
ordinária e nos Regimentos das casas legislativas. O impeachment é legal, legítimo,
lícito e vem cumprindo todas as etapas exigidas pelo ordenamento jurídico
do país.
O
voto não significa autorização para a prática de corrupção, gestões temerárias
e fraudes e nem confere legitimidade ao estelionato eleitoral que custou aos
cofres públicos milhões ou bilhões de reais. O povo não pode ser coagido a
tolerar corruptos e autores de um concurso material de crimes cujas penas,
somadas, atingiriam a prisão perpétua se
for considerada a expectativa de vida do
homem brasileiro. A acusação contida no atual impeachment constitui modesta amostragem. Todos estão fartos de
saber que a cantilena do “golpe” é um achincalhe à inteligência de todos os
brasileiros.
Chega
de asneiras destinadas a disseminar o ódio entre irmãos. Nenhum grupo político que tem como objetivo
eternizar-se no poder pode falar em democracia e liberdade. Voltando ao
pensamento de Erich Fromm que empresta luz à epígrafe deste artigo, repetiria
que a democracia não pode desanimar na luta contra o autoritarismo “mas passar
à ofensiva, dispondo-se a realizar aquilo que tem sido sua meta no espírito dos
que lutaram pela liberdade no decurso destes últimos séculos” (op.cit., p.
218).