Entrevista em A Voz do
Autor da Associação Brasileira de
Editoras Universitárias Brasileiras
Autor de diversos títulos pela Editus, editora da Universidade Estadual
de Santa Cruz, Cyro fala sobre seu último livro, a antologia Histórias dos Mares da Bahia,
premiações literárias e a projeção global que elas oferecem para o conteúdo de
suas obras.
Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, romancista, ensaísta e
também autor de livros infantis. Já publicou mais de 40 livros no Brasil e 9 no
exterior, sendo 9 deles com o selo editorial da Editus - Editora da
UESC. Neste mês de setembro, o escritor foi agraciado com o título de
Doutor Honoris Causa pela UESC. Em sua trajetória, ele já recebeu mais de 40
prêmios literários, e, entre eles, o Prêmio Vânia Souto Carvalho, concedido
pela Academia Pernambucana de Letras, com o livro “Berro de Fogo e outras
histórias”, que em 2013 ganhou nova edição pela Editora da UESC. Seu livro
“Vinte Poemas do Rio”, português-inglês, foi indicado para o vestibular da
Universidade Estadual de Santa Cruz, durante três anos, como também “O Conto em
Vinte e Cinco Baianos”, antologia que ele organizou.
Recebeu, ainda, prêmios da Academia Brasileira de Letras, Pen Clube do
Brasil, Associação Paulista de Críticos de Artes, Menção Honrosa no Prêmio
Jabuti e Menção entre os quatro finalistas no Concurso Internacional Plural,
México. Algumas de suas obras destacam a civilização cacaueira baiana como um
dos espaços do seu imaginário fecundo, no qual retrata a paisagem, personagens,
lugares, hábitos e histórias. Recentemente dois outros grandes acontecimentos
marcaram a vida do escritor. Foi eleito para a cadeira nº 22 da Academia
de Letras da Bahia, que tem como fundador Rui Barbosa, e o seu mais recente
livro, “Histórias dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª Bienal Internacional
do Livro de São Paulo, no estande da Associação Brasileira de Editoras do
Nordeste - ABEU. A obra faz parte da Coleção Nordestina, projeto editorial que
reúne livros produzidos pelas editoras da ABEU Nordeste. Essa coletânea
reúne dezesseis escritores baianos, e, entre eles, João Ubaldo Ribeiro, Hélio
Pólvora, Ruy Espinheira Filho, Guido Guerra, Gláucia Lemos e Aramis Ribeiro
Costa. No ano passado, seu livro "Cancioneiro do Cacau", Prêmio
Nacional Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores (Rio) e Segundo Prêmio
Internacional Maestrale Marengo d’Oro, Gênova, Itália, foi lançado na Bienal
Internacional do Livro do Rio, em segunda edição.
1. As suas obras expressam muito da cultura do sul da Bahia, com
destaque especial para a civilização nascida ao longo do tempo pela implantação
da lavra cacaueira. Essas representações ganharam projeções internacionais e
também importantes premiações no cenário nacional. Como é ver o local de suas
criações ganhar uma projeção global? Como o senhor avalia pessoal e
profissionalmente essas importantes premiações?
Canta a tua aldeia e serás universal, disse o russo Tolstoi. Para
Fernando Pessoa, o genial poeta português, o melhor rio não era o Tejo, mas o
rio que passava ao pé de sua aldeia, porque era o rio de sua aldeia. Houve quem
observasse que o homem faz o lugar e não o contrário. E o lugar é onde se
registra a memória. O lugar tem sido motivação e símbolo para algumas de minhas
criações. Minhas origens e vivências locais têm sido uma das vertentes de
minhas produções em prosa e verso. Isso acontece quando às vezes, das
germinações à execução da ideia, tomo como ponto de partida minhas vivências na
infância, em outras vou buscar ou imaginar o assunto no cerne da história,
aproveitando o que vi, colhi nos mais velhos ou até pesquisei. Pode até
mesmo acontecer que imagine um espaço sem localização geográfica, identificável
com alguma parte do sul da Bahia, como no romance “Os Ventos Gemedores”, no
qual criei o condado de Japará para desenvolver a trama, auscultar os
personagens através de conflitos no drama. Assim, desde que meu texto
leve aos outros uma nova forma de conhecimento da vida, através da linguagem
que poetiza a vida, situações e gente com nervos e sentimentos, tendo como
resultado um alcance universal e reconhecimento, aqui na região e fora de
nossas fronteiras, fico contente, torno-me menos incompleto na existência, que
para nós humanos é falha, limitada, precária, vulnerável, não basta. É
gratificante, um verdadeiro prêmio que é dado ao autor esse tipo de
reconhecimento. Acho sensato ser reconhecido em vida pelo meu trabalho, depois
de morto só serve para o orador, que passa como herói, ao ressaltar no
sepultamento as qualidade de quem se foi para sempre, não está mais neste
mundo, ficou submetido ao inexorável.
2. O senhor foi eleito para ocupar a cadeira 22 da Academia de Letras da
Bahia e recebeu o primeiro título de Doutor Honoris Causa da Universidade
Estadual de Santa Cruz pela sua contribuição à literatura e à cultura. O
que significam esses novos reconhecimentos na sua carreira literária?
São qualificações de meu trabalho no mais alto nível. Sinto-me honrado,
fortalecido, incentivado para continuar a jornada nessa estrada solitária, a
essa altura comprida. Nela, paro às vezes, olho para trás, vejo à direita
e à esquerda, sigo em frente com tantas vozes no peito, dos outros, mas que no
fundo são também minhas. Vou formando com elas e a minha voz o diálogo
necessário, o disfarce múltiplo que desfaz o real e projeta outra realidade com
novos sentidos, externa outra linguagem através dos sinais visíveis da escrita,
com seu poder metafórico intenso e de proliferação, que me ajuda a sobreviver e
a conhecer um tanto mais do que sou, entre o alegre e o triste, o transitório e
o permanente, o belo e o feio. Vou cumprindo uma missão, usando as palavras
para explicar o inexplicável, mas que é belo, com suas verdades retiradas da
vida, a ela devolvidas com razão e emoção, porque assim deve ser.
3. O seu último livro, “História dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª
Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande coletivo da ABEU pela
Editus. A publicação traz 16 contos de importantes escritores baianos, que
revelam um cenário de muitas histórias. Por que o mar como fonte de inspiração
e ambientação? Como foi a escolha dos autores?
Como se vê sem esforço, trata-se de antologia temática. As histórias têm
como foco o mar da Bahia, que entra como o cenário, ora interferindo no destino
dos personagens, ora como elemento de composição da paisagem humana. O mar é
assim a fonte de inspiração e ambientação de cada história. O mar sempre
exerceu uma sedução e atração aos seres humanos. E, como temos ficcionistas na
Bahia da melhor qualidade, que souberam focar o mar como fonte de suas
criações, resolvi fazer uma antologia com o tema e com esses autores
expressivos. O critério da escolha dos contistas se deu em função da qualidade
do texto. Convenhamos que, como em toda a antologia, ocorre a omissão, mas os
autores selecionados para a coletânea “Histórias dos Mares da Bahia” são os
mais representativos do gênero na Bahia. Eu diria sem hesitar que são contistas
brasileiros da Bahia, fortes no discurso coeso. Com seus projetos
estéticos e resultados positivos, todos eles vêm contribuindo para que as
letras brasileiras operem como meio eficaz de comunicação humana em sua função
social.