Por Sônia Carvalho de Almeida Maron
Dom Ceslau Stanula, muito
amado Bispo da Diocese de Itabuna, que saúdo como representante de todas as
autoridades eclesiásticas presentes; autoridades civis e militares presentes ou
representadas; meus irmãos em Cristo, rebanho do pastor que ora se despede.
Minha vida tem sido pontuada de
episódios de desafios e também superação conseguida com a ajuda de Deus e da
fé. Hoje estou diante de um dos maiores desafios já enfrentados, que se traduz
no convite indeclinável da Dra. Mércia Margotto, para participar desta
cerimônia com a incumbência honrosa de comentar um dos aspectos da
personalidade multifacetada do nosso Bispo: Dom Ceslau, o verdadeiro pastor de
almas que conquistou todos os segmentos sociais de Itabuna, é também escritor.
Aceitei de imediato, cometendo o pecado
de não questionar se eu teria legitimidade para assumir o encargo, não sendo a
católica praticante ideal, com o comparecimento rigoroso às cerimônias e
rituais da religião que professamos. Ou mesmo se teria bagagem para comentar a
obra de um religioso redentorista que se tornou cidadão do mundo e renomado
intelectual. Uma rigorosa autocrítica levou-me à conclusão que a profunda
estima e admiração que voto ao homenageado impediria a recusa, além da amizade
e carinho à coordenadora do evento. Não tenho a pretensão de apresentar uma crítica
literária. Aceitei sem hesitação porque me considero com raízes profundas fincadas
neste chão de Itabuna; aqui iniciei e conclui minha formação e sou testemunha,
há muitas décadas, dos piores e melhores momentos que minha cidade viveu;
aceitei para não perder a oportunidade de lembrar que, ainda criança,
testemunhei os comentários sobre o projeto da catedral, partidos do engenheiro
Diógenes Rebouças, marido da minha prima Dulce Almeida Conceição Rebouças, na
residência da minha tia-avó Alaide Almeida Conceição, aqui bem perto, na rua
Ruffo Galvão, à época rua Benjamin Constant. Em outro momento, fui uma das
adolescentes da “Campanha do Cruzeiro”, grupo de voluntárias que D.Laura
Conceição criou com a finalidade de arrecadar contribuições para a construção
desta catedral, que deve a bonita
aparência, que hoje ostenta, à coragem e determinação de Monsenhor Moisés de
Souza; aceitei porque não hesitaria em dizer, como digo, que Dom Ceslau
Stanula, entre todos os administradores da Diocese de Itabuna, será sempre o
exemplo do líder religioso e cidadão que se fez amar naturalmente, participando
da vida da comunidade como emissário da paz e da concórdia. Aceitei
principalmente para dizer que a presença do nosso pastor transmitiu, por todos
esses anos, a força e energia necessárias ao enfrentamento das intempéries,
garantindo a esperança de dias melhores na sua mensagem de fé, que nos faz
acreditar ser tudo possível àquele que confia na proteção divina.
Dom Ceslau Stanula, missionário
redentorista de nacionalidade polonesa, escolheu o Brasil como sua pátria.
Culto, dotado de simpatia e simplicidade incomuns, conquistou credibilidade e respeito facilmente, até mesmo
dos que professam religiões diversas, ateus e agnósticos. Dom Ceslau é
sobretudo um homem de fé. E como homem de fé, Ministro de Cristo, concebeu e
vem cumprindo sua trajetória como escritor.
Em suas reflexões, imortalizadas em
artigos e livros, mantém a inspiração religiosa e, com o matiz da Teologia,
revela seu vastíssimo conhecimento como sociólogo, filósofo, historiador e
cientista político, pensador brilhante preocupado em preservar princípios e
valores que servem de esteio à sociedade
e que estão gravados na mente e no coração do verdadeiro cidadão.
A personalidade do Bispo-escritor
começa a delinear-se a partir da escolha da editora. Qualquer grande editora sentir-se-ia
honrada em publicar o trabalho de um intelectual de seu porte. Preferiu a
Gráfica e Editora Bom Jesus, da sua amada Diocese de Bom Jesus da Lapa.
Seu primeiro livro, O Cotidiano da Igreja, publicado em
2009, é dedicado à memória do Irmão Emílio,
missionário redentorista e à Diocese de Itabuna, sacerdotes e fiéis. Na página
42, comentando a Campanha da Fraternidade, encontramos o seguinte:
“A deficiência não é um problema apenas para uma determinada faixa de pessoas. Na realidade
todos temos alguma deficiência. A nossa grande deficiência é deixar-se fascinar
pelas aparências. As pessoas gostam de aparecer... paira a pergunta: onde anda
a verdade, a retidão do coração? Já é tempo para que a sociedade tire a máscara
e mostre seu verdadeiro rosto.”
Em 2010 foi publicado Em sintonia com a Igreja. Na página 110, comentando a “semana nacional da
vida”, filia-se à campanha pela doação de órgãos, no encorajamento às pessoas e
principalmente às famílias para “doação de órgãos de forma livre e consciente,
como gesto solidário de amor, com a devida proteção legal e em consonância com
o evangelho da vida”. Estimula a doação voluntária de órgãos, os transplantes,
doações de sangue e medula óssea. Leva a presença da Igreja à medicina dizendo
que os procedimentos cirúrgicos referidos significam “um sim à vida”. O mesmo
livro, na página 202, revela a preocupação com a natureza, demonstrando quanto
sofre com a sorte do nosso Rio Cachoeira:
“Estamos
matando nossos rios (veja o nosso Cachoeira!), matamos bosques, poluímos o ar,
invadimos o subsolo, tiramos toneladas de carvão, milhões de barris de petróleo,
disseminando-se com isto os gases tóxicos
que matam plantas e pessoas...”
Em sequência, Semente caída, publicado em
2012, nos traz a Carta de Itabuna,
concebida no Centenário da cidade (2010), ocasião em que se realizou a
Semana Diocesana da Cidadania. O documento, divulgado na página 72, espelha a realidade da nossa cidade, com
enfoque na violência que assola o cotidiano de Itabuna. Analisando as diversas
formas de violência, destaca a violência contra a natureza, o meio ambiente,
apontando como maior vítima o nosso Rio Cachoeira, “antes caudaloso e gerador de renda para os
pescadores, lavadeiras; hoje, fonte de doenças, esquecido e maltratado! É o
retrato vivo da violência ambiental em nossa cidade”. Fecho as aspas,
assinalando que as palavras do escritor refletem o sentimento da comunidade
itabunense, pelo menos dos segmentos que enxergam e conservam o bom senso.
Em seu livro Voz que clama, p. 80, ed. 2014, escreveu sobre o Dia da Pátria, 7 de setembro, e do texto primoroso destaco
o seguinte:
“São tantas as fraudes,
tanta corrupção e tanto desvio dos bens
públicos! Deixam-nos a impressão de que continuamos dependentes dos
pequenos “príncipes e dominadores” que se revestem do poder legado pelo povo”.
E prossegue na p. 81:
“A pátria é o nosso
berço, aí nos criamos, descobrimos este mundo de Deus. A pátria é algo muito
caro para o coração do cidadão. Para compreender e sentir a grandeza da pátria
é preciso conhecê-la. Só se ama o que se conhece.”
O conteúdo das lições diversificadas do
nosso pastor que recebeu o privilégio de pensar as ciências sociais e humanas,
a religião, a história, os desvios do ser humano e a força da esperança e da
fé, analisadas sob a visão laica ou do ângulo da espiritualidade, revelam o
sacerdote e o cidadão a oferecer-nos artigos de opinião, crônicas e até versos
livres, que uma interpretação dogmática poderia denominar homilias. Prefiro ler
e entender nosso Bispo-escritor livre de rótulos, divulgando a produção de sua mente abençoada e independente, exercendo
.o seu poder de formador de opinião que pode operar milagres
E como nosso país precisa de milagres!
União, Estados e Municípios esperam e desesperam, aguardando as mudanças
prometidas. Ao invés de mudanças, vivemos o pesadelo do crime hediondo que se
intitula “tome lá e dê cá”, prática deletéria do loteamento de cargos públicos
para beneficiar incompetentes e corruptos. E o nosso escritor, Bispo Emérito já
consagrado, alerta de forma delicada e subliminar, sem comprometer a indignação
e a firmeza.
O quinto livro de Dom Ceslau, Na Virada da Época, publicado em 2016, oferece
um verdadeiro poema de versos livres, no qual ensina onde encontrar Jesus:
“Talvez
na feição de um professor ou
professora, desvalorizado pelo educando e pelas autoridades, querendo que se
sujeitem às suas manias políticas e se desviem de sua missão” (p.106).
É
o cidadão que fala pela voz do sacerdote, em defesa da categoria profissional
mais importante da sociedade, o professor.
É facil e gratificante falar sobre as
pessoas que amamos, O único perigo é cair na armadilha da suspeição. Não corro
esse risco. A admiração e estima por Dom Ceslau estão a salvo da suspeição que
conduz ao exagero ou à inverdade. Em primeiro lugar, porque a verdade é fácil
de ser constatada por todos que conhecem o homenageado; finalmente porque minha
formação condiciona minhas palavras à isenção e
imparcialidade. Além do mais, nosso
homenageado conseguiu aprovação unânime como sacerdote e como cidadão e não
existe ninguém, debaixo do céu de Itabuna, que ouse contestar. Sua voz soará
sempre nesta catedral e em nossos ouvidos e sua bênção acompanhará nossos
passos. Onde quer que esteja nosso Bispo Emérito, permanecerá em nossas vidas e
nas conquistas da cidade de São José.
Vá em paz, Dom Ceslau Stanula, Bispo
Emérito de Itabuna. Deus o acompanhe,
iluminando cada vez mais o seu caminho e nos ajude a suportar a saudade.