Lugar de Encanto
Cyro de Mattos
Antropólogos e historiadores
observam que o homem sempre gostou de brincar com objetos redondos. Pedras,
frutas e até mesmo crânios eram usados como coisas que divertiam nas
brincadeiras. Em sua evolução neste planeta, o homem inventou diversos
esportes, tendo a bola como atração. Mas
a bola só alcançou a condição de objeto
“sagrado” quando o homem descobriu o futebol.
Arte que se manifesta com o pé na bola,
numa cidade do interior da Bahia,
durante cerca de cinqüenta anos, o
futebol amador fez a vida tomar cores de encantamento. Emergir o ser humano de seus interiores, com empenho e talento, emoção e arte. Todo festivo, ora com a sensação da vida inscrita no pódio da
glória, ora com angústia e tristeza. Transformou uma pequena cidade em saga. Despertou
paixões, criou mitos, joias,
através de jogadores amadores de ouro e, entre eles, Léo Briglia, Santinho, Fernando Riela, Lua, Déri e Gajé, os meus preferidos.
A cidade ainda adolescente nos anos 50. De poucas ruas calçadas, o trem
como uma coisa viva partia e chegava,
trazia da vizinha cidade de Ilhéus
cargas de peixe, cordas de caju e
caranguejo, coco, beiju. Tinha o circo pequeno com a lona furada. A lua
derramava prata no areal deixado pela enchente do rio Cachoeira, onde a turma
da rua de baixo jogava com a da rua de cima a partida mais empolgante do mundo.
Cidade com as tropas carregadas de sacos
de cacau, tocando música com chocalho e guizo pelas ruas de poeira ou lama.
Comemorava o cinqüentenário em 1960, acompanhada de sua lavra do cacau
por toda a extensão da pele, as veias pulsando no apogeu dos frutos
maduros. No velho Campo da Desportiva,
com seu piso irregular, de construção precária para abrigar superlotado cerca
de cinco mil pessoas, o futebol operou o milagre de despojar o coração de outras necessidades materiais,
conduzindo-o para o terreno dos sonhos. O coração do torcedor na arquibancada ou geral batia
diferente quando sentia que seu time de fé entrava no gramado e, em especial,
a sua seleção amadora de ouro, que ganhou seis vezes consecutivas o campeonato
do intermunicipal, além do torneio Antonio Balbino na Fonte Nova, em Salvador.
Esse futebol amador ensinou que viver valia a pena mesmo quando o cenário
estava armado distante de centros
esportivos adiantados. Conseguia
dar um show de bola quando se
afinava num jogo coberto de amor e
vingança.
Perseguiu,
nas tardes de domingo e nas quartas-feiras, à noite, quando
o campo já tinha refletores, o milagre do branco ser preto, o pobre ser
rico, todos juntos numa corrente de irmãos, com o grito de gol irrompendo das gargantas com a força do vento forte
na rajada.
Pelo título – No Velho Campo da Desportiva – depreende-se sem esforço que
o universo da bola retratado aqui neste
livro não vem de apresentações de grandes clubes nacionais no estádio
gigantesco. Com seus ídolos, vitórias consagradoras, rendas excepcionais. Entra no gramado da leitura através de
memórias relatadas e inventadas, capazes
de revelar o cotidiano e
envolvente mundo da bola disseminado no
interior brasileiro como uma de suas grandes paixões populares. De boca a
ouvido, no recesso dos lares,
barbearia, feira, fazenda de cacau, loja do comércio, largo dos bairros.
As artimanhas do cartola, as rivalidades dos torcedores, a vibração em vitórias consagradoras, as cenas
engraçadas. Busca fazer um gol bonito de ver,
oferecendo ao torcedor, agora leitor, a
vida revestida de densidade humana, sonho e emoção, sem esquecer a
poesia que naqueles idos esportivos do futebol amador fazia com que a cidade de
Itabuna soubesse que pisava também no
chão de uma pátria em chuteiras.
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